* José Pio Martins
Episódio 1. Um diretor de empresa me liga e, em tom gozativo-bronqueado, diz: “Eu fui aí no seu trabalho três vezes e não consegui falar com você… você não estava!” Em tom de galhofa respondi-lhe: “Olha… primeiro, sugiro que você procure a Madame Soraia, aquela cigana que fica ali na Praça Osório, e veja se ela vende bola de cristal. Se ela vender, compre uma para você e outra para mim. Assim, você adivinhará quando eu estou aqui e eu adivinharei quando você quer falar comigo; segundo, sei que seu trabalho o leva a visitar muitas pessoas e imagino que você sofra ao sair de casa para falar com pessoas e descobrir que elas não estão ou não podem atendê-lo em função de outros compromissos agendados; terceiro, você tem o hábito de ir ao dentista ou ao seu urologista sem hora marcada?” Fui chamado de “chato”…
Episódio 2. Em uma formatura que eu presidia, com cerca de mil pessoas no auditório, o locutor do cerimonial chega para mim e diz: “Professor, teremos de atrasar o início da solenidade porque o paraninfo telefonou dizendo que se atrasará… talvez uns vinte minutos”. Respondi-lhe: “Os alunos estão prontos, o auditório está lotado e se você não começar a solenidade às 20h, às 20h05 eu tiro a beca e vou embora”. A solenidade começou, houve os rituais de praxe, o paraninfo se atrasou e “de fininho” foi sentar à mesa. Ao fim da cerimônia, em vez de simplesmente assumir o atraso e se desculpar, ele resolveu ironizar, dizendo: “No Brasil nada começa na hora. Vocês são meio inflexíveis, né?” Respondi-lhe: “Não é inflexibilidade não. O que está em jogo é a imagem de organização que pregamos e respeito para com o público, só isso”.
Episódio 3. Participei de um painel no Estação Embratel Convention Center e, como alguns dos palestrantes anteriores gastaram mais tempo do que tinham, o locutor me disse, ao pé-do-ouvido, que pedia mil desculpas, mas ele precisava me mostrar a placa quando faltassem cinco minutos para encerrar meu tempo. Virei-me para a platéia e informei sobre o que ele havia sussurrado. Aduzi que me parece estranho alguém ter de pedir desculpa por exigir o cumprimento de regra previamente acordada e que, no meu caso, ele que ficasse tranqüilo porque eu jamais gasto mais tempo do que me cabe e termino sempre uns minutos antes. O professor Belmiro Valverde tinha acabado de falar, na sua palestra, que “no Brasil, a pontualidade ofende”.
Pode soar estranho, mas, para algumas pessoas, realmente a pontualidade ofende, a organização ofende, a disciplina ofende. O pior é que esse comportamento sem profissionalismo se repete com assustadora constância. Portanto, ser “chato” é educativo, aumenta a produtividade e demonstra respeito pelas pessoas… além de ser vantajoso para o “chato”, pois desestimula que outros baguncem a sua agenda.
P.S. O amigo do episódio 1 receberá este texto e sei que vai me ligar…
* Economista, professor e vice-reitor do Centro Universitário Positivo – UnicenP